Espaços com produto interno
Primeiro, destacamos algumas definições iniciais importantes para a fluência do estudo. Depois, definimos o produto interno e suas principais consequências. Atenção para o processo de Gram-Schmidt é dada em uma subseção separada.
Conceitos introdutórios
Um conceito fundamental é o de base:
Definição: Um conjunto de vetores é dito linearmente independente se todo subconjunto finito é linearmente independente, isto é, Se um conjunto de vetores linearmente independente tem a propriedade de que todo vetor pode ser escrito como uma combinação linear de seus elementos, então ele é uma base, também chamada de base de Hamel. Note que combinação linear se refere a uma soma finita.
Por extensão, uma coleção de subespaços é linearmente independente se, para todo , isto é nenhum vetor de pode ser representado como soma de vetores dos outros conjuntos. Nesse caso, se é linearmente independente e então esses conjuntos formam uma decomposição soma direta (interna) de , geralmente escrito como
Com essas definições básicas, podemos introduzir o produto interno.
Produto interno e suas implicações
Definição: Um produto interno no espaço vetorial , sobre os complexos ou reais, é um mapeamento com as propriedades:
- para todo .
- .
- para todo e se anula somente se .
Note que todo espaço com produto interno é um espaço normado com a norma
Alguns exemplos clássicos
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Exemplo (Espaço Euclidiano)
O espaço com o mapa é um espaço com produto interno.
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Exemplo (Funções contínuas)
O espaço o espaço das funções contínuas com imagem complexa com o mapa é um espaço com produto interno.
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Exemplo (Funções mensuráveis)
Seja o espaço das funções mensuráveis com respeito a medida em um subconjunto de uma -álgebra. Restrinja essas funções pelas classes de equivalência determinadas pela propriedade "iguais exceto em um conjunto de medida nula" e defina o mapeamento Então é um espaço com produto interno.
Alguns teoremas importantes que advém da definição de produto interno:
Teorema (Cauchy-Schwarz): Seja um espaço com produto interno. Então, em que a igualdade só vale se e são linearmente dependentes.
Teorema (Polarização): Seja um espaço com produto interno. Então, em que se o espaço é complexo e se é real.
Teorema (Lei do Paralelogramo): Seja um espaço com produto interno. Então
Definição: Dizemos que e são ortogonais se e denotamos por .
Teorema de Pitágoras: Se , então .
Conjunto ortogonal de vetores: com a propriedade de que . Além do mais, se para todo , ele é dito ortonormal.
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Exemplo (Espaço de sequências)
Seja o espaço das sequências de números reais com e o produto interno nesse espaço O subconjunto , em que se e caso contrário, forma um conjunto ortonormal de .
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Exemplo (Espaço )
Considere o espaço . A coleção de funções é um conjunto de vetores ortonormal.
Teorema: Se é espaço de produto interno e é ortonormal tal que , então é LI.
Ideia da prova:
Escolha e faça . Note que , mas pela definição de , , que implica que , como queríamos mostrar.
Processo de Gram-Schmidt
Seja um espaço de produto interno e um conjunto de vetores LI. Então, existe um conjunto ortonormal tal que
Ideia da prova:
- Verifique para com .
- Assuma que exista uma construção de vetores com a propriedade desejada. Queremos construir o -ésimo vetor:
- É claro que , pois nesse caso seria combinação linear de , absurdo.
- Faça e prove que .
O interessante desse teorema é que a partir de vetores LI, construímos uma ideia inicial de "base" ortogonal, que é muito mais fácil de se trabalhar. Em particular, os coeficientes de qualquer vetor nessa base são dados por produtos internos simples!
Definição: Seja um espaço com produto interno. Chamamos de complemento ortogonal de .
Mesmo que seja só um conjunto, temos que é um subespaço de .
Teorema: Seja um espaço com produto interno e subespaço de dimensão finita. Então , isto é, para todo , existe e tal que e .
Teorema da Representação de Riesz
Temos que é um funcional linear limitado definido em um espaço de Hilbert se, e somente se, existe um único tal que Em termos do espaço conjugado, podemos descrever esse teorema como
Operador adjunto
Seja de dimensão finita e uma transformação linear. Para , o mapa é um funcional linear em . Pelo Teorema de Riesz, existe tal que , isto é, Como para cada existe um único , podemos definir uma função e então, o que define como operador adjunto de . Além disso, podemos verificar que ele é uma transformação linear.
Além disso, se , o operador é auto-adjunto e se , o operador é normal.
Espaço de Hilbert
Seja um espaço com produto interno e defina a métrica Então é um espaço métrico. Se ele for completo, dizemos que é um espaço de Hilbert.
Já provamos que todo espaço métrico possui um completamento e que todo espaço normado pode ser completado para um espaço de Banach. Para espaços com produto interno isso também é válido, definindo em que é o espaço das classes de equivalência de sequências de Cauchy.
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Exemplo (Funções contínuas)
O espaço com o produto interno não é espaço de Hilbert.
Desigualdade de Bessel
Considere o seguinte importante resultado
Teorema: Seja um espaço com produto interno, um conjunto de vetores ortonormal e . Então
-
(Desigualdade de Bessel): .
-
é enumerável.
-
Se , então .
Outra caracterização de conjuntos ortogonais é que se for separável e ortonormal, então ele será enumerável.
Conjuntos Ortonormais Completos
Definimos um conjunto ortonormal como completo se não existe outro conjunto ortonormal que contenha-o. Em outras palavras, ele é completo se é o conjunto ortonormal maximal. Como essa definição é complicado em geral, o seguinte critério ajuda bastante:
Proposição: Um conjunto ortonormal é completo se, e só se, para todo tal que , tem-se que .
Além do mais,
-
Existe um conjunto ortonormal completo em , e
-
Qualquer conjunto ortonormal pode ser estendido para um conjunto ortonormal completo.
Proposição: Um conjunto ortonormal completo infinito nunca é uma base (de Hamel) em um espaço de Hilbert.
A prova dessa proposição se dá por contradição extraindo uma sequência de pontos em um conjunto ortonormal completo infinito e observado a soma pela Desigualdade de Bessel. Mas esse elemento deveria ser uma combinação linear finita de elementos de , o que não é possível.
Teorema: Suponha que seja conjunto ortonormal e . Então é completo. Se é espaço de Hilbert, vale a recíproca.
Identidade de Parseval
Seja um espaço com produto interno e um conjunto ortonormal. Então, se para todo , então é completo. Além disso, se é Hilbert e é ortonormal completo, a relação acima vale para todo .